Mesmo em período de dificuldade, o cenário nacional atual tem sido favorável para algumas áreas do agronegócio. Ainda que o segmento dentro da porteira coloque em xeque este cenário através de reclamações pela baixa rentabilidade, principalmente pelo alto custo de produção, o setor agrícola permanece aquecido com investimentos e com a busca incessante por terras para garantias acessórias no contrato rural.
No arrendamento, em muitos casos, quem antes era visto como pessoa a ser protegida, o arrendatário, hoje passa a figurar na pessoa que detém o poder econômico frente ao proprietário da terra, ou proprietários, uma vez que em sua maioria descendem de antigos produtores que por sucessão adquiriram tais bens e sobrevivem desta renda. Assim, para sua proteção, os arrendadores (proprietários rurais) necessitam de um contrato escrito e bem elaborado[1], que produza estímulos de cumprimento, inclusive sob eventual condição forçada, sob pena deste se tornar uma opção de descumprimento no momento da colheita, comercialização e acerto de contas. Ainda, em casos de falência ou insolvência civil, contratos desprotegidos se tornam ineficazes na diminuição do prejuízo suportado.
Tais contratos precisam estar em linha com o risco que a atividade agrária apresenta[2]. Como sabido, no contrato de arrendamento não há partilha de riscos, diferentemente da parceria agrícola, devendo o arrendatário prover o pagamento independentemente de quebra de safra ou qualquer outro fator externo. Assim, tal qual a uma empresa ou instituição financeira que concede o crédito, os proprietários deverão proceder a análise de capacidade de produção do proponente, seus dados históricos e capacidade financeira atual.
Aprovada a capacidade do proponente, parte-se então para a elaboração do contrato de arrendamento rural. Em simples definição, conforme o artigo 3º. do Decreto n° 59.566/1966, o contrato de arrendamento “é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel”.
Apesar de ser amplamente conhecido e utilizado no meio agrícola, sendo fácil o acesso a modelos de balcão oferecidos na internet[3], escritórios de contabilidade, entre outros, o arrendamento rural é uma operação complexa, regulada por Lei especial, e que requer cuidados na sua elaboração e garantias acessórias no contrato rural, devendo ser feita por profissional especializado. Dentre as diversas questões, o foco desta breve análise será nas formas de garantias de recebimento pelo proprietário da retribuição pelo arrendamento.
Quem milita no direito agrário e agronegócio sabe que é comum o proprietário ser o último a receber quando há quebra de safra ou problemas financeiros decorrentes de má gestão ou desvalorização do produto[4]. Na maioria das oportunidades, o proprietário é chamado para renegociar pagamento, podendo ser para próxima safra ou para mais anos. Na maioria das vezes tal situação somente prorroga o início do conflito entre as partes.
Ressalta-se aqui que o arrendatário, produtor ou empresário rural, necessita de financiamento para o desenvolvimento de sua atividade produtiva. Para tanto, recorre às instituições financeiras, cooperativas, agroindústrias e tradings, ou seja, todo e qualquer fornecedor que tenha como objetivo fomentar a atividade agrária. Todavia, este fomento é guarnecido por garantias sobre a produção e eventuais bens utilizados, seja em Operações de Barter (troca), emissão de Cédulas de Produto Rural – CPR e Contratos Compra e Venda antecipada.
Dentre as garantias oferecidas pelo produtor rural que atingem o recebimento da retribuição ao proprietário do imóvel, destacam-se o penhor agrícola e pecuário e a alienação fiduciária. Aqui, juntamente com o contrato de arrendamento, normalmente há assinatura da anuência prévia pelo proprietário para o oferecimento de tais garantias, muitas vezes com a renúncia da preferência. Munidos de tais garantias e com a anuência do próprio proprietário, os financiadores da produção se colocam em condições privilegiadas quando da necessidade de propor ações para cumprimento forçado das obrigações assumidas pelo produtor rural.
Diante dessa situação, entendemos que os proprietários que arrendam suas áreas devem adotar o máximo de medidas preventivas para resguardar a sua parte no recebimento da retribuição financeira pelo uso da terra, assim tendo garantias acessórias no contrato rural. Além das questões de avaliação da capacidade e idoneidade do arrendatário, a primeira, pós-contrato, e mais comum, é registrar o instrumento de arrendamento para sua publicização a terceiros acerca do ajuste. Quando da outorga de eventual anuência para que o arrendatário possa oferecer em garantia parte da colheita futura, fazer a ressalva quanto ao produto em equivalência destinado a garantia do cumprimento do arrendamento, ou, em caso de houver a emissão de consentimento genérico, sempre que tomar conhecimento da emissão de garantia, deverá comunicá-los da restrição à sua quota de recebimento pelo arrendamento.
Além, disso, elencamos aqui a possibilidade de estipular-se garantias acessórias ao pacto. Ainda que não esteja expressamente previsto na legislação, a mesma não veda e relaciona a aplicação subsidiária da lei civil na construção das obrigações agrárias. Assim, entendemos como possível a utilização da fiança (garantia pessoal) e do penhor agrícola e pecuário (garantia real) como forma de resguardo ao recebimento de valores para o proprietário[5].
A fiança nada mais é que a garantia pessoal dada por terceiro, sendo uma garantia acessória e depende de cláusulas contratuais específicas e bem formuladas. Lembremos que o fiador possui responsabilidade subsidiária, exceto se houver disposição expressa em contrário (artigo 828, inciso I, do Código Civil[6]), o que se recomenda sempre em benefício ao credor, bem como necessita de vênia conjugal, a qual se não prestada implica na ineficácia total da garantia.
O penhor agrícola e pecuário, por sua vez, pode ser constituído por instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, observando o local onde as coisas empenhadas estão localizadas. No penhor agrícola podem ser objetos as máquinas e instrumentos de agricultura; colheitas pendentes, ou em via de formação; frutos acondicionados ou armazenados; lenha cortada e carvão vegetal; animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola. Já o penhor pecuário, tem como objetos os animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de lacticínios. No caso penhor, o maior cuidado deve-se se dar em relação ao prazo de estipulação, uma vez que não podem ser convencionados por prazos superiores aos das obrigações garantidas (artigo 1.439 do Código Civil[7]), sendo que eventual prorrogação deverá ser averbada no respectivo registro.
Desta forma, sendo o penhor rural amplamente utilizado em negócios vinculados ao agronegócio, como forma de garantir o fomento para execução das atividades rurais, e não havendo nada que impeça a sua constituição junto ao pacto de arrendamento, é recomendado como garantia real para a proteção do recebimento dos valores pelo proprietário do imóvel.
Finalmente, concluímos que, com a elaboração técnica especializada do instrumento, aliada a agregação de garantias acessórias no contrato rural, a estrutura contratual do arrendamento que por si só estimula e cria um mecanismo de obrigação para o seu cumprimento dentro dos ditames da boa-fé. Assim eliminando a margem do oportunismo causal, evitará, de certa forma, a criação de conflitos entre proprietário e arrendatário, e, em situações de inadimplência, garantirá uma melhor posição ao proprietário quando da busca pela satisfação do crédito referente ao aluguel ao qual faz jus pela cessão do imóvel rural.
* Artigo elaborado por Albenir Querubini e Maurício Gewehr, tendo sido publicado originalmente em https://direitoagrario.com/garantias-acessorias-no-contrato-de-arrendamento-rural/
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Notas:
[1] Sobre a redação dos contratos agrários consulte: QUERUBINI, Albenir. A redação dos contratos agrários. Portal DireitoAgrário.com, 8 out. 2017, disponível em:
[2] A atividade agrária se caracteriza pela chamada “agrariedade”, conceito elaborado pelo agrarista italiano Antonio Carroza, segundo o qual a atividade agrária se sujeita a um duplo risco: o risco próprio das atividades econômicas e o risco agrobiológico. Em síntese didática, o risco agrobiológico diz respeito as questões biológicas e climáticas as quais está sujeita a atividade agrária, a exemplo de intemperes, enchentes, secas, doenças, mutações, etc. Para quem quiser aprofundar-se no tema, recomenda-se: Carrozza, Antonio. Problemi generali e profili di qualificazione del dirittto agrário. Milano: Giuffrè, 1975. TRENTINI, Flávia. Reflexões sobre o risco no Direito Agrário e o livro de Mariagrazia Alabrese. Conjur, 26 mai. 2017, disponível em:
[3] Salientamos que os modelos devem servir apenas como guia para a elaboração dos contratos, devendo ser ajustados para atender as necessidades de cada uma das relações jurídico-contratuais agrárias e não o contrário, não dispensando o olhar de um especialista no assunto, dada as especificidade que envolve a confecção de um bom contrato agrário. Chamamos atenção para o fato de que existem muitos modelos disponibilizados na internet que apresentam defeitos que podem passar despercebidos por quem não domina a matéria. De qualquer forma, para quem se interessar por um bom modelo disponível, recomendamos: < https://www.academia.edu/34801783/MODELO_DE_CONTRATO_AGR%C3%81RIO_DE_ARRENDAMENTO_DE_IM%C3%93VEL_RURAL>.
[4] Outro exemplo prático de problemas que podem por em risco o recebimento do aluguel que faz jus o proprietário (arrendador) é a situação envolvendo o arresto da lavoura por credores do arrendatário, inclusive por dívidas estranhas à relação contratual.
[5] Sobre as garantias nos contratos agrários, registramos que o agrarista José Fernando Lutz Coelho cita como instrumentos a fiança, a caução e o penhor agrícola, in: LUTZ COELHO, José Fernando. Contratos agrários – uma visão neoagrarista. 2. ed., Curitiba: Juruá, 2016, pp. 223-239. Especificamente sobre o penhor como garantia: SCHVARCZ, Priscila Dibi. O penhor rural como garantia nos contratos de arrendamento rural. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, jun. 2008 – vol. 3, n. 2, pp. 37-47, disponível em:
[6] Assim dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador: I – se ele o renunciou expressamente”.
[7] “Art. 1.439. O penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos superiores aos das obrigações garantidas. (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013) § 1º Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem. § 2º A prorrogação deve ser averbada à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor”.